06/11/2007

Romance proibido por se aproximar demais da realidade

O romance "Esra", do escritor Maxim Biller, foi definitivamente proibido pela Justiça. Quanto menos a literatura serve de fonte para a literatura, maior o risco de um livro ser tornar um caso de polícia.

Não é muito comum uma obra literária acabar nos tribunais. Acabar literalmente, quando se trata da proibição de um livro. Na Alemanha, o último precedente do caso de censura definitivamente selado pelo Tribunal Constitucional Federal em meados de outubro foi a proibição do romance Mephisto, de Klaus Mann, em 1971.

Na época, a Justiça alemã acatou o pedido do filho adotivo do ator Gustaf Gründgens, que reconhecera seu pai no protagonista do romance de Klaus Mann sobre a ascensão social de um ator durante o Terceiro Reich. O romance do filho de Thomas Mann, publicado em 1936 numa editora holandesa e 20 anos depois na Alemanha Oriental, foi tirado de circulação por sentença judicial. A justificativa foi de que o personagem Hendrik Höfgen não era suficientemente independente do modelo real que o inspirou.

Uma sentença emitida em meados de outubro pelo Tribunal Constitucional Federal proibiu definitivamente o romance Esra (2003), de Maxim Biller. A história do amor fracassado entre um jovem escritor judeu e uma artista gráfica turca remete a circunstâncias reais, que motivaram a ex-namorada do autor a mover uma ação por difamação. Na última instância de um processo que já corria há quatro anos, a Justiça confirmou as sentenças anteriores de proibição, reconhecendo no livro um desrespeito aos direitos de personalidade.

A justificativa é semelhante à da proibição de Mephisto. "Quanto mais a reprodução coincide com o modelo, mais se afeta o direito de personalidade. Quanto mais a representação artística toca dimensões especialmente protegidas do direito de personalidade, mais intensa tem que ser a ficcionalização para se excluir uma violação do direito de personalidade", explica a sentença.

Entre os oito juízes que julgaram o caso, três se opuseram à proibição. Seu argumento foi a autonomia da literatura, que não pode ser simplesmente considerada uma cópia da realidade: "A arte não se esgota na visão subjetiva de realidades, mas molda a partir delas universos próprios, com os quais o artista expressa seus interesses".

Para os três juristas, o romance de Biller não reproduz um universo de experiências reais e autobiográficas, mas segue um programa estético literário, correspondendo a uma construção narrativa. A sentença representaria, portanto, uma violação do direito de expressão artística.

De modo geral, a opinião pública alemã criticou a sentença. Afinal, a decisão do tribunal se baseia numa quantificação da ficcionalidade de uma obra literária: quanto mais próximo da realidade, menos o livro pode ser julgado segundo critérios artísticos e menos pode contar com a proteção da liberdade de expressão. Mas como quantificar a mistura de realidade e ficção numa obra de arte?

Curioso, neste contexto, é o fato de a acusação não ter tido que provar a veracidade das ocorrências narradas. Para a Justiça, bastam os fatos de a pessoa que inspirou o romance se reconhecer na protagonista e as características gerais de ambas corresponderem. Quanto à mãe da ex-namorada de Biller, que também acusou o romancista de difamação, o tribunal rejeitou a acusação, alegando que o narrador não se pronuncia diretamente sobre ela, mas apenas a descreve através de informações de terceiros.

O caso Esra pode vir a se tornar um precedente importante numa época em que a literatura, em especial a prosa narrativa, absorve ocorrências verídicas de forma cada vez mais direta. Talvez seja o grau de hiper-realidade das mídias "concorrentes" do livro que motive cada vez mais os escritores a um relato de vivências próprias desprovido de qualquer maquiagem.

Mas talvez seja o desaparecimento de um código ficcional dominado por todos, ou seja, o fim do pacto de simulação entre autor e leitor, que dificulte aos escritores mascarar sua experiência ou projetá-la em um plano de maior elaboração estética. Quanto mais a literatura deixa de ser fonte da própria literatura, maior o risco de um livro virar um caso de polícia.

Fonte DW, por Simone de Mello

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