02/12/2007

Este domingo, na Venezuela

por Mauro Santayana

O presidente Chávez saberá hoje se o seu projeto político tem ou não a aprovação da maioria do povo venezuelano. O plebiscito não é a melhor forma de se aferir a vontade nacional, mas é a única, quando os governos democráticos são sitiados por inimigos poderosos e só podem recorrer diretamente ao povo. Chávez não é estadista norueguês: é homem da América Latina que, há pelo menos 300 anos, tenta ser ouvida no mundo. Ela e a África sempre foram vistas como dependentes da ética, da inteligência, do mando europeu. Essa ética européia admite, para seu proveito, mandatos presidenciais ilimitados e limitados, conforme a ocasião. Vigora a regra antiga: "A salvação da república é a lei suprema". Herdeiros do centro-europeísmo, os Estados Unidos intervieram em toda a América Latina, e exemplo clamoroso foi o do Chile. Há excelente texto de García Márquez sobre o golpe: tudo se tramou em Washington antes da eleição de Allende, em 1970. Em jantar de que participavam três generais do Pentágono e quatro generais chilenos, entre eles, Toro Mazote - o homenageado naquela noite - um general americano lhe perguntou o que o Exército chileno faria se Allende fosse eleito em setembro. "Tomaremos el Palácio de La Moneda en media hora, aunque tengamos de incendiarlo", foi a resposta. Um dos generais presentes, Ernesto Baeza, comandou, três anos depois, o ataque a La Moneda e, depois do assassinato do presidente, mandou incendiá-lo. Todos os outros foram decisivos no golpe contra a democracia chilena.

Allende, se houvesse querido, poderia ter alterado a Constituição, obtido sua aprovação por referendo popular e enfrentado os inimigos da República, logo depois das eleições parlamentares de março de 1973, quando ainda dispunha de força. Poderia ter salvado a vida de milhares de chilenos. Não o fez. No entanto, o general De Gaulle, a partir de 1958, mudou a Constituição, submeteu-a ao referendo do povo francês e, referendo sobre referendo, governou durante 11 anos ininterruptos, até que perdeu a última consulta e se recolheu a Colombey-les-Deux Églises, em 1969, onde morreria um ano depois. O francês De Gaulle pode; o venezuelano Chávez, não.

Quinta-feira, em La Paz, os embaixadores da União Européia, sob a liderança do alemão Erich Ridler, exigiram de Evo Morales que "respeite os princípios democráticos". Depende do que se entenda como democracia. A oposição não respeitou as regras democráticas ao ausentar-se da Assembléia Constituinte - em que era minoria - e ameaçar a República com a divisão territorial. Herr Ridler se esquece de que a Alemanha é ainda hoje um país ocupado por tropas norte-americanas, e sua democracia, compulsória, foi imposta, com os russos à frente, pelos aliados que a derrotaram. A União Européia poderia, talvez, pressionar a Espanha a fim de que ela resolva suas questões autonômicas, como as do País Basco e da Catalunha, antes de intrometer-se em Santa Cruz, Pando e Chuquisaca, que não pertencem à Comunidade Européia, nem são colônias de ninguém. Faria bem à Europa encontrar solução digna e humana para os trabalhadores imigrantes, tratados como párias.

No Equador, o presidente Rafael Correa também busca a aprovação popular pelas reformas constitucionais, e resume: a democracia é muito boa quando atende aos interesses da oligarquia; quando defende os interesses dos pobres, não é mais democracia. Não deixam de lhe dar razão os governadores das regiões rebeldes da Bolívia, quando exigem de Morales que retire da Carta aprovada a Renda Dignidade destinada aos idosos. Afinal, para que eles servem, se não podem mais produzir lucros?

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