31/03/2008

Brasileira sofre racismo apesar de cidadania européia

Anelise Infante
De Madri para a BBC Brasil

A brasileira Silania Alves tem dupla nacionalidade e está radicada na Espanha há nove anos. No dia-a-dia, porém, ela continua sendo uma imigrante. Apesar da documentação européia, nunca conseguiu alugar um apartamento em seu nome pelo preconceito dos proprietários.

"É sempre assim. É só entrar em uma agência que os funcionários falam: não temos imóveis para você. Nem dá tempo de dizer que eu sou espanhola também. Me olham e já dizem que não", disse Silania, que tem 28 anos e trabalha como cozinheira.

As dificuldades enfrentadas pela brasileira-espanhola são comuns a cerca de 80% dos imigrantes com ou sem cidadania européia, segundo a ONG S.O.S Racismo.

A instituição denunciou que cada vez mais imobiliárias têm cumprido exigências de proprietários que se recusam a alugar imóveis para estrangeiros, muitos com dupla cidadania como Silania.

Preconceito

Para Silania, o preconceito na Espanha não chega a ser violento, mas é visível. Ela está convencida de que demorou oito meses para alugar um apartamento porque sua aparência e modo de falar são típicos de uma brasileira.

"Claro que foi por racismo. Ligava para vários anúncios todos os dias. Quando percebiam meu sotaque, já arrumavam uma desculpa para dizer que estava alugado. Tinha tudo o que pediam: documentos, contrato de trabalho, dinheiro, fiador, tudo. Tinha até passaporte espanhol, o que mais queriam? Que eu tivesse nascido aqui também?", desabafou.

A solução foi apelar para um intermediário. Uma amiga de Silania telefonou para a imobiliária e fechou o acordo. A brasileira só apareceu na última hora para assinar.

"Já estou escaldada. Se acontece alguma coisa no prédio, foi a brasileira do terceiro andar. Qualquer problema batem direto na minha porta", contou.

Novos europeus

Como Silania, que se considera "uma espanhola mais ou menos", esses novos europeus, que incluem muitos brasileiros que conseguem dupla cidadania em países como Espanha, Itália e Alemanha, continuam com dificuldades de integração por conta do preconceito.

"O problema é a desconfiança", disse a socióloga Begoña Espinoza, representante da Associação de Entidades contra o Racismo na Espanha.

"A falta de políticas sociais e a precariedade do Estado aumentam a xenofobia. As carências sociais, que já existiam na sociedade, como salários, hospitais, moradias, ficaram mais visíveis com a chegada de imigrantes”, explicou Espinoza.

Para a socióloga, a diversidade cultural criada a partir do fluxo migratório agrava a sensação de desconfiança com os imigrantes.

"Embora esses novos cidadãos se transformem em espanhóis, para a sociedade, eles continuam sendo imigrantes”, afirmou.

O governo espanhol admite o problema. De acordo com um relatório do Ministério de Trabalho e Assuntos Sociais, do total de queixas por discriminação sofrida no setor público em 2007, 43% foram de espanhóis nascidos em países latino-americanos.

Língua e pátria

Outra dificuldade que os brasileiros enfrentam no país é a diferença cultural. De acordo com Francisco Javier Garcia, pesquisador da Universidade de Granada, a principal barreira é o idioma.

"As barreiras culturais enfrentadas pelos brasileiros são mais notáveis do que entre imigrantes de outros países latino-americanos. Essa dificuldade provoca exclusão, separatismo e gera um racismo sutil que pode levar o indivíduo a se associar com outros de sua mesma nacionalidade para reafirmar sua identidade", explicou Garcia.

Entre os atos discriminatórios mais comuns na Espanha estão frases xenófobas como "volte para o seu país" ou "espanhóis primeiro", ouvidas com freqüência por estrangeiros nas ruas das principais metrópoles espanholas.

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