20/09/2008

Alemanha: social-democratas se digladiam em crise

A grande explosão ocorida no último fim de semana no Partido Social Democrata da Alemanha demonstra como se corta o nariz fora para se limpar a face. Em uma série de pequenas, reduzidas e cada vez mais diminutas reuniões secretas, os líderes do partido — que enfrentam uma desastrada sangria de membros e votos por ter virado a casaca para o rumo da direita nos últimos anos — defenestraram o chefe do partido, Kurt Beck, que tentou reparar as coisas arriscando tímidos passos em uma vaga direção esquerdista, e colocou o futuro do partido nas mãos de dois desembaraçados direitistas, o ministro das Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeyer e o ex-vice chanceler e líder do partido Franz Muentefering.

Por Victor Grossman*

Os Social-Democratas, na coalizão de Schroeder com os Verdes até 2005 e desde então com os Cristão-Democratas de Angela Merkel (CDU) até o próximo ano, se uniram para ansiosamente agravar os níveis de vida de todos, menos os ricos, para então apelar a um pacote de "reforma" para "criar empregos". Suas reformas, conhecidas como "Agenda 2010", incluem o corte de direitos a desempregados, o arrocho das taxas mínimas de bem-estar sociais e a ameaça àqueles que quiserem viver dentro dessas margens míseras, a menos que aceitem vender todas as suas propriedades por qualquer valor, aceitem mudarem se necessário para uma moradia barata ou pior e aceitem empregos que pagam até 1 euro por hora trabalhada. Ou menos!

Outras medidas aumentam os custos médicos e odontológicos, o custo de medicamentos e outros auxílios médicos, eleva a idade de aposentadoria de 65 para 67 anos, aumenta o valor dos impostos para compra de mercadorias (a taxa de valor agregado) enquanto reduz impostos para empresas e heranças. Quem poderia se surpreender com a queda nas pesquisas de opinião de um partido que já teve há 15 anos mais de 30% de aceitação e que hoje mal chega a 20%, enfrentando ainda uma fuga em massa de suas fileiras?

Enquanto isso, no entanto, o novo partido denominado Die Link (A Esquerda), uma fusão do antigo e grande PDS do oriente da Alemanha com um pequeno, mas combativo partido do lado ocidental alemão, foi finalmente capaz de sair dos seus limites orientais, superar a cláusula de barreira de 5% e eleger 53 deputados no Bundestag alemão. Além disso, conquistou pela primeira vez vagas em vários estados alemães ocidentais, uma eleição após a outra.

Primeiro em Bremen, depois na Baixa Saxônia, Hamburgo e Hesse, com grandes espectativas quando novas eleições são realizadas. Esses sucessos foram devido em parte ao carisma do ex-líder do SPD, Oskar Lafontaine, conhecido e respeitado por muitos nas regiões ocidentais.

Mas os fatores mais importantes foram, sem dúvida, a desaceleração econômica atingir grandes setores da população e o programa da esquerda, que rejeitou as reformas e exigiu um salário mínimo, um retorno à plena cobertura médica, uma inversão dos aumentos dos custos universitários, a redução de idade para a aposentadoria e a retirada das tropas alemãs do Afeganistão e de todos as áreas estrangeiras em conflito.

Todos os principais partidos — a CDU, os Liberais Democratas, os Verdes, mas, sobretudo, o SPD — reagiram ao rápido progresso da esquerda com choque e um susto.

Houve uma dupla resposta: ataques anti-comunistas constantes e nefastos, com tons de recordação dos mais gelados dias da Guerra Fria, e também tentativas fracas, desajeitadas, de voltar a colocar em prática as nefandas "reformas" adotadas por todos os quatro partidos tradicionais, apelando à memórica fraca das pessoas.

O presidente do SPD que liderou a tentativa de dar a nova imagem de socialmente consciente ao partido, foi Kurt Beck, um camarada firme e jovial, com uma barba cuidadosamente cultivada de três dias. Enfrentando pressões de todos os lados, ele ziguezagueou.

Quando a eleição no Estado de Hesse terminou em um resultado dramático, a líder do SPD na região, uma dinâmica mulher chamada Andrea Ypsilanti, decidiu rasgar o acordo feito com o raivoso presidente Cristão-Democrata e uniu-se aos Verdes, persuadindo os seis deputados do Die Link a votarem em sua coligação, sem que tivessem de participar dela, obtendo assim uma parca maioria de um voto.

Tal quebra de acordo, sem precedentes, que daria o poder de veto aos deputados do Die Link, foi imediatamente atacada por quase todos, inclusive muitos líderes do SPD.

Beck vacilou novamente, dizendo que cada estado tinha o direito de tomar suas próprias decisões e, em seguida, acrescentando que o que Ypsilanti fez não deve ser visto como um precedente. Suas tentativas de manter todo mundo feliz não funcionaram. Os meios de comunicação atacaram Beck e Ypsilanti impiedosamente.

Esse fato permitiu que a direita realizasse um ataque em três flancos. Em primeiro lugar, contra Ypsilanti — que está atualmente a desafiá-los e prossegue na delicada negociação com a Esquerda no seu Estado. Não há processo fácil para conciliar todos os lados.

O segundo ataque foi contra 60 membros proeminentes do SPD, que querem um novo rumo, mais social, e uma política menos beligerante no estrangeiro. Pelo menos temporariamente eles foram silenciados — ou ignorados.

O terceiro ataque foi contra Beck. Franz Muentefering, que tinha deixado a política por algum tempo devido à doença terminal de sua esposa, agora retornou com a mesma auto-confiança brutal que sempre exibia, como o principal braço-direito de Schroeder, especialmente na mobilização pelo aumento da idade de aposentadoria para os 67 anos.

Ele retornou junto com o encanecido e eloqüente Steinmeyer, outro protegido de Schroeder, que ajudou a enquadrar e emoldurar o duro programa Agenda 2010. No meio da principal sessão secreta desta semana, Beck partiu de forma súbita para sua casa, no estado da Renânia-Palatinado, sem dar uma palavra ou sequer um olhar para o ansioso grupo de jornalistas que tentava cobrir a reunião. Ele foi assim defenestrado da política nacional — e espera, pelo menos, manter sua liderança na sua pequena província viticultora próxima do Reno. Desde então, tem falado de ferozes intrigas contra ele.

Nem o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, Steinmeyer, líder temporário do partido e, provavelmente, o principal concorrente de Angela Merkel nas eleições nacionais do próximo ano, nem Muentefering, que espera ser o presidente do partido após o próximo evento partidário em outubro, em outubro, planejam diluir as suas políticas anti-sociais ou a construção de alianças e ajudas militares em outros continentes. Eles acreditam que, com mais disciplina e tenacidade, podem reconquistar o terreno perdido pelo SPD, nos últimos anos, e voltar a disputar a liderança nacional após setembro de 2009.

Líderes do Die Link expressaram suas dúvidas em relação ao retorno às duras posições anteriores do SPD. "Este é o retorno dos homens de Schroeder", disse Oskar Lafontaine, cujos resultados nas pesquisas feitas no seu estado, o Sarre, o situam agora com 24% do eleitorado, vários pontos acima dos obtidos pelo SPD. "Tem sido o caminho das perdas e derrotas". E um dos principais porta-vozes do Die Link lembrou que este é "o momento em que temos de divulgar mais do que nunca as exigências que temos vindo a fazer". É o que vamos ver se os novos e durões dirigentes do SPD podem reconquistar o terreno que perderam de forma constante nos últimos anos.

O próximo teste será nas eleições municipais no estado de Brandemburgo e no tradicionalmente direitista estado da Baviera, em 28 de setembro.

*Victor Grossman é um jornalista e escritor americano, tendo vivido em Berlim oriental por muitos anos antes da anexação da Alemanha Democrática. É autor dos livros "Crossing the River: A Memoir of the American Left", "A Guerra Fria", e "Vida na Alemanha Oriental" (University of Massachusetts Press, 2003).

Fonte: Monthly Review. Tradução de Humberto Alencar

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