18/05/2009

Até quando, Berlusconi?

Há uns dois mil e cinquenta anos, mais dia menos dia, a esta hora ou outra, estava o bom Cícero clamando a sua indignação no senado romano ou no foro: “Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência?”, perguntou ele uma vez e muitas ao velhaco conspirador que o quis matar e fazer-se com um poder a que não tinha qualquer direito.


Por José Saramago, em seu blog


A História é tão pródiga, tão generosa, que não só nos dá excelentes lições sobre a atualidade de certos acontecidos outrora como também nos lega, para governo nosso, umas quantas palavras, umas quantas frases que, por esta ou aquela razão, viriam a ganhar raízes na memória dos povos.

A frase que deixei acima, fresca, vibrante, como se tivesse acabado de ser pronunciada neste instante, é sem dúvida uma delas.

Cícero foi um grande orador, um tribuno de enormes recursos, mas é interessante observar como, neste caso, preferiu utilizar termos dos mais comuns, que poderiam mesmo ter saído da boca de uma mãe que repreendesse o filho irrequieto.

Com a enorme diferença de que aquele filho de Roma, o tal Catilina, era um traste da pior espécie, quer como homem, quer como político.

A História de Itália surpreende qualquer um. É um extensíssimo rosário de gênios, sejam eles pintores, escultores ou arquitetos, músicos ou filósofos, escritores ou poetas, iluminadores ou artífices, um não acabar de gente sublime que representa o melhor que a humanidade tem pensado, imaginado, feito.

Nunca lhe faltaram catilinas de maior ou menor envergadura, mas disso nenhum país está isento, é lepra que a todos toca.

O Catilina de hoje, em Itália, chama-se Berlusconi. Não necessita assaltar o poder porque já é seu, tem dinheiro bastante para comprar todos os cúmplices que sejam necessários, incluindo juízes, deputados e senadores.

Conseguiu a proeza de dividir a população de Itália em duas partes: os que gostariam de ser como ele e os que já o são.

Agora promoveu a aprovação de leis absolutamente discricionárias contra a imigração ilegal, põe patrulhas de cidadãos a colaborar com a polícia na repressão física dos emigrantes sem papéis e, cúmulo dos cúmulos, proíbe que as crianças de pais emigrantes sejam inscritas no registo civil. Catilina, o Catilina histórico, não faria melhor.

Disse acima que a História de Itália surpreende qualquer um. Surpreende, por exemplo, que nenhuma voz italiana (ao menos que haja chegado ao meu conhecimento) tenha retomado, com uma ligeira adaptação, as palavras de Cícero: “Até quando, ó Berlusconi, abusarás da nossa paciência?” Experimente-se, pode ser que dê resultado e que, por esta outra razão, a Itália volte a surpreender-nos.

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