04/10/2007

'Aniversário da reunificação'

O texto do Flávio Aguiar, pubicado na "Carta Maior, trata da reunificação da Alemanha ainda em processo e cercado de polêmicas. O autor afirma que há uma sensação de que na verdade não houve uma reunificação, mas uma anexação da Alemanha Oriental pela Ocidental. E que isto ocorreu na verdade sem preparo econômico, muito menos político.

Segue a análise.

"Dia 3 de outubro, quarta-feira próxima, comemora-se o 17° aniversário da reunificação da Alemanha. Este hoje é o principal feriado no país. Como já é tradição, em Berlim haverá festa na rua, sem desfile militar, e um pronunciamento do Presidente da República é esperado. Especula-se na mídia e fora dela sobre o conteúdo deste pronunciamento: pode ser as dificuldades do acesso ao ensino superior, ou o desemprego. Ou ainda a solidariedade para com a África, tema que em sendo constantemente aventado na Alemanha.

Na verdade a reunificação ainda é um processo, e não sem discussões ou até polêmicas. Ninguém é contrário a ela. Ninguém manifesta saudades do antigo regime da Alemanha Oriental, a não ser por determinadas conquistas sociais que num primeiro momento, que dura até hoje, foram varridas do mapa.

Quando estive na Alemanha há onze anos, ou mesmo até há oito anos, visitei aldeias na Alemanha Oriental que se tornaram quase fantasmas, habitadas apenas por idosos e idosas que se mantinham, numa delas, vendendo doces (maravilhosos) para os visitantes. Os armazéns de fornecimento do antigo regime estavam vazios, todos os que podiam procuravam supermercados e shoppings centers nas proximidades, onde rugia o capitalismo vencedor.

Há uma sensação de que na verdade não houve uma reunificação, mas uma anexação da Alemanha Oriental pela Ocidental. E que isto ocorreu na verdade sem preparo econômico, muito menos político. É claro que um acontecimento desses e seus desdobramentos não podem ser previstos, ainda mais do modo dramático como tudo se deu, a partir da queda do muro de Berlim em novembro de 1989. Houve pagamentos e impostos compensatórios de uma Alemanha para a outra, mas no conjunto as duas populações se viram frente a frente sem estarem suficientemente “misturadas” do ponto de vista econômico e político.

Também o passado é polêmico. Continuam a sair pesquisas e trabalhos surpreendentes sobre as Alemanhas. Recentemente lançado, o livro “BND contra o Exército Soviético”, de Armin Wagner e Matthias Uhl, levanta a tese de que havia mais espiões no Leste a serviço do Oeste do que ao contrário, embora os daquele lado fossem mais eficientes do que os deste.

Segundo o livro, o Oeste dispunha de dez mil pessoas fazendo serviço de espionagem no Leste, enquanto os espiões deste no outro lado não passavem de seis mil. Já em 1955 o Oeste teria 5 mil espiões. Quem eram?

Em geral, ex-militares que faziam o trabalho por uma espécie de “camaradagem” de arma para com seus colegas do lado ocidental. Ou então familiares que visitavam seus parentes (e estes também) do outro lado do muro. Havia também os anti-comunistas e os aventureiros. Raros seriam os motivados por razões financeiras. Quando era o caso, os espiões juntavam dinheiro numa conta no Oeste, na esperança de um dia viverem deste lado da Cortina de Ferro.

Uma das revelações mais curiosas do livro é a de que em 1961, alguns meses antes da construção do muro de Berlim acontecer, a informação de que isso aconteceria foi passada para o Oeste. Mas deste lado ninguém a levou a sério, tão inusitada a idéia parecia.

Uma das razões apontadas para a maior eficiência dos espiões do Leste no Oeste foi a de que aquele lado conseguiu infiltrar agentes no alto escalão do governo deste lado, sem que o contrário acontecesse. Enquanto isso levantou-se também na imprensa a permanência do drama das “crianças russas” na Alemanha de hoje. Essas “crianças”na verdade hoje têm sessenta anos ou mais. São filhos e filhas de soldados russos com mães alemãs, de logo da ocupação militar do território germânico pelo Exército Vermelho. Algumas foram fruto de um estupro, malefício comum nas guerras. Outras, até de raros casos de paixão. Todas foram vítimas de cruéis preconceitos e atitudes de perseguição, como seria de esperar num caso desses.

Várias dessas “crianças” continuam buscando seus pais no lado russo.

Uma coisa é certa: apesar da presença militar da Alemanha no Afeganistão, bastante polêmica, se há um país no mundo que parece pouco inclinado hoje a uma aventura militar, qualquer que seja, esse país é a Alemanha. O sucesso e o desastre nazistas, em que pesem os surtos não raros de episódios de racismo genérico, ou de anti-semitismo, parecem ter vacinado a maioria dos alemães contra taus aventuras extremas. Esperemos que a vacina seja duradoura."

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