20/07/2007

"Quanto mais velho mais livre e quanto mais livre mais radical"



(E eu digo: quanto mais leio as suas entrevistas, mais o admiro.)

Entrevista com José Saramago

por JOÃO CÉU E SILVA

As suas declarações criaram um coro de protestos e artigos na imprensa internacional pouco habituais. O que pensa disto? (sobre Portugal se tornar uma província da Espanha).

O que tinha a dizer sobre esta questão de Portugal e de Espanha está dito e não tenho mais nada a comentar. Está tudo na entrevista.

Mas o ministro aceitou classificar a sua profecia como um cenário de ficção literária!

Ah, não concorda...

A que se deve que as suas declarações tenham sido mais comentadas por colunistas no estrangeiro do que em Portugal?

Eu não me quero meter nesse assunto nem comentar as críticas. O que sei das reações não é por via direta, chegam-me já com eco e ainda não sei bem o que é que se disse.

Para quando, então, a Ibéria?

É um assunto para o futuro.

Sente pressões quando fala ou escreve?

Não, exprimo exatamente o que quero e como quero.

Mas tem algum cuidado especial em certo tipo de questões?

Eu falo exatamente o que quero e vale a pena recordar a história de um velho professor de Matemática e amigo - eu hoje em dia até sou mais idoso do que ele era na altura -, que era o Alberto Candeias. Era um senhor que ia muito à editora onde eu trabalhava e que até fez algumas traduções para a Editorial Estúdios Cor, onde estive um bom par de anos. E um dia, estávamos ainda no fascismo, fez-me essa mesma pergunta: se eu pensava aquilo que escrevia nas crônicas que publicava no jornal? Eu respondi-lhe exatamente assim: que posso não ter dito alguma coisa que pensava, mas nunca disse nada que não tivesse pensado. Vivíamos, então, numa época em que poderia antes ter-lhe respondido que podia não ter dito o que pensava, porque a censura não mo permitia, ou coisa do gênero, mas nunca o fiz nem disse nada que não tivesse pensado, que não fosse pensado. Evidentemente que a mentira também é pensada, estou a levar isso em conta, mas nunca disse algo que não fosse uma convicção minha ou pelo menos uma opinião que do meu ponto de vista não estivesse fundamentada.

Muitas vezes, os portugueses acham-no radical?

Eu disse há tempos que quanto mais velho mais livre me sinto e quanto mais livre mais radical sou. Claro que esta questão da idade não se pode aplicar indiscriminadamente, até porque a velhice é a negação de uma liberdade, mas, felizmente, no meu caso tenho saúde e a cabeça funciona. Por isso posso afirmar que de fato quanto mais velho estou mais livre me sinto e essa liberdade levou-me a expressar-me de uma maneira radical, com um radicalismo às vezes forte e próprio daquilo que penso.

E não se arrepende desse radicalismo?

Nunca me arrependi e não me arrependo.

Pensa voltar a viver ainda em Portugal?

Não, já não penso voltar a viver em Portugal. Virei aqui com todo o gosto, até porque tenho amigos cá e esta é a minha terra. Os emigrantes também vivem fora, no fundo, sou um emigrante. Dá vontade de dizer que sou um refugiado político...

Mas considera-se um refugiado político?

Não. Sou uma pessoa que mudou de bairro, alguém a quem um vizinho do patamar de cima incomodava com o muito barulho que fazia e decidiu ir para outra casa. Poderia ter acontecido de outra forma, houve uma altura em que andámos (o casal) a tentar encontrar outra casa, sem deixar aquela perto da Estrela, para estar fora de todo aquele ruído da zona. Então, estivemos em Mafra e andamos pela região a procurar, mas não encontramos nada de jeito e era tudo muito caro. E é quando sucede, uma vez que já conhecia Lanzarote, que nasce a ideia de fazer uma casa na ilha para passar as férias. Obviamente, houve uma espécie de trauma na época que colocou a situação noutros termos e noutro plano. Aqui fui maltratado e censurado pelo Governo... Eu lembro-me de ter ido a Belém falar com Mário Soares e dizer-lhe: "Vou-me embora", porque nada tinha sido corrigido, nem foram pedidas desculpas. E quando achava que tinha a razão do meu lado ao estar contra a proibição de que o meu livro fosse levado ao júri europeu, foi algo que não suportei.

E agora?

Agora, viverei o que faltar, aquilo que ainda tenho para viver e que com esta idade não podem ser muitos anos, mas vou tentar vivê-los bem por várias razões. Não é viver na farra, mas antes como tenho vivido com a Pilar, que foi algo que eu não podia esperar que me acontecesse quando tinha 63 anos e ela 36, e continuar com o meu trabalho. Vou pôr-me a escrever outro livro e ver até onde irei, lá chegará o momento em que, ao sentir que não terei nada para dizer, saberei que o melhor é calar-me.

Mas ainda tem muito para fazer?

Nos próximos tempos tenho a fundação, algo que estou a viver com muita gana e veemência, porque é ao mesmo tempo algo que estou a construir mas de que ao mesmo tempo me vou despedindo - tenho de o assumir, para que é que hei-de estar aqui com precauções, que é um tempo que é de despedida, porque o começa a ser -, no sentido de que a fundação é a vida, o trabalho da Pilar e das pessoas que irão estar ali. Portanto, é como se eu quisesse deixar um testemunho mais: está aqui a obra e está aqui uma coisa a que nós chamamos Fundação José Saramago, que para algo servirá. Dependerá das pessoas que lá estarão, que já estão convidadas, fazer daquilo algo que valha a pena e que se note na vida cultural e também na sociedade.

Quanto à sua biblioteca?

Está em Lanzarote e é para ficar ali. Se um dia a fundação for extinta, os bens pertencerão à Biblioteca Nacional de Lisboa, mas a biblioteca será levada para a Universidade de Granada - que já a está a catalogar -, onde constituirá um núcleo de literatura que tem a ver com a própria cátedra.



3 comentários:

Anônimo disse...

O Saramago é único. Se não fosse ele não sei o que seria do povo portugues.

Anônimo disse...

do Saramago só li o 'Evangelho Segundo Jesus'. Como ele desautorizou a adaptação ao português do Brasil, senti a leitura um pouco pesada com seus 'c' onde no nosso já não mais existe. Achei o livro muito bom.
Tania

Anônimo disse...

http://gagocoutinho121.blogspot.com/